por Sabrina Alves
professora de Ayurveda
Olá, sou Sabrina Alves, e trago mais um Nota Peculiares sobre Ayurveda, notas sobre pensamentos do lugar do Ayurveda nesse mundão de agora.
Tempo, Āyurveda e modus de sobrevivência
Voltando a esse espaço do Notas peculiares sobre Āyurveda, falando de algo peculiar -- claro, contudo, de conceito simples, e complexa aplicação: o tempo mítico dos povos originais.
Sempre me impressiona perceber que as formas de contar o tempo de sistemas de comunidades tradicionais (vou chamar aqui de viver juntos) ainda estejam aqui, mesmo co-existindo no tempo do capitalismo contemporâneo (uma ode ao individuo).
E é esse o contrassenso -- vivemos muito mais dentro do tempo-algoritmo, mesmo que alguns busquem o tal “tempo mítico dos sistemas de comunidades tradicionais”.
E porquê insistiríamos em viver sozinhos fingindo viver junto ao invés vivermos juntos de fato?
Do pensamento ideológico do Norte capitalista vem a imaginação do tempo dos lugares idealizados segundo o imaginário dos colonizadores -- dos chamados de oriente, terceiro mundo, latinos, chicanos, japas, amarelos, atrasados ou carentes de assistencialismo. Porém, detentores de espiritualismos idelógicos, segundo os mesmos brancos colonizadores, como farol para a salvação. O lugar idílico, o “nosso lar” dos trópicos, a Meca dos filhotes neoliberais sedentos por se libertar do tempo algorotimizado. Pura mimetização.
E neste ponto quero falar da forma do tempo de certas comunidades localizadas no sul-asiático, que, dentre muitas outras, existe o Āyurveda. E, por favor, não pense que o tempo mítico do Āyurveda na Índia, dos habitantes do mundo urbano, não está também passando por esmagamento, ou mimetização. Está. E eles sabem disso. E já tem o Āyurveda biomédico (seja lá o que isso seja) e o Suddha Ayurveda (o que reclama suas origens de antes dos colonizadores e da dominação das lideranças bramânicas).
Para começarmos, Āyurveda não é uma pessoa. Nem uma entidade. Não foi criado por alguém. Mas por alguéns. Frequentemente é repetido pelos praticantes, e, até mesmo escrito nos textos canônicos, que foram o rishis -- sábios meio humanos, meio deuses, quem o criaram. Não se cria algo que ultrapassa gerações e expande a experiência do tempo mítico, com sínteses de como viver a partir de acúmulos, em tempo e circunstancia, assim, sozinho. Foi, e é, uma pá de gente quem construiu esse núcleo, tá ligado?!
E por isso, me impressiona que a máxima mais comum repetida nesse tempo capitalista do algoritmo, dos que buscam o Āyurveda, seja seu uso como recurso para benefícios individualizados. “Seja a mudança que você deseja para mundo”, diriam. Na mesma intensidade os que buscam mimetizar o tempo do Āyurveda no algoritmo, dando fomento para as redes sociais, insistem em dizer “venham para nossa comunidade” ou “façam parte da nossa família”. E aí, quem pretende individualmente usar o tempo do Āyurveda para se “tornar uma pessoa melhor, mais saudável, menos estressada”, estão vivendo em algumas dezenas de grupos de whatsapp, ou telegram criados para mimetizar o coletivo.
Estão sozinhos no mar das redes, fáceis presas da pescaria do algoritmo. O Āyurveda mimetizado das redes é a expressão genuína da individualidade, da indústria do bem-estar -- filhote do capitalismo contemporâneo. Mesmo que os olhos e expressões faciais das bocas que escalonam o algoritmo, até mencionem de alguma forma a coletividade presente no Āyurveda, o fazem presos nas tramas individualizantes de (sobre) viver do capitalismo, e estão somente tentando não perder algum hype.
A memória do pertencimento
O tempo mítico do Āyurveda se expressa, entre outras formas, pelo que se poderia chamar de espiritualidade. Mas esta é entendida como um sentido de pertencimento. Não como algo que se experimenta sozinho, em algum templo, ou em casa ou em algum retiro de silencio. Mas em conjunto. Junto. A falta da experiência do “junto”, para o pensamento mítico do Āyurveda, é causador de desordens e doenças.
Para começo de conversa, a experiência de pertencimento perpassa a compreensão de que somos a natureza, ao contrário de buscar conexão com a natureza. Uma vez que entendemos que não se busca a conexão com a natureza, poderemos mais facilmente nos perceber coletivamente como humanidade participante do organismo vivo Terra, segundo o pensamento mítico do Āyurveda.
Viventes do tempo algorotimizado do capitalismo contemporâneo acabam por entender o Āyurveda como a liga que precisam para experienciar a coletividade, buscando pessoas que usem o Āyurveda, ou que estudem o Āyurveda, ou que se tratem com Āyurveda, comprando produtos de Āyurveda .... tornando a vida tão monocromática e chata. Chatíssima.
Na busca pelo pertencer, alguns acreditam que é o Āyurveda que irá aplacar esse buraco existencial. O Āyurveda não é a comunidade que se busca. Mas sim, uma das muitas ferramentas possíveis de melhorias individuais, com vistas para nos tornar melhores coletivamente. Porém o uso do Āyurveda para melhorias de quem se é, só pode ter como objetivo a vivencia em coletividade.
No tempo mítico do Āyurveda é a diversidade de vivencias que nos fortalecerá. O Āyurveda por si só, não encerra uma única via de pensamento mítico. Ela é um conjunto de expressões do tempo de vários povos e etnias. Por mais que a elite de alguma etnia diga ao contrário, mas isso será assunto para um outro Nota peculiares sobre Āyurveda. Mas há um acordo de que o choque do nascimento afasta a memória das lições passadas. E, vejam, só, segundo o pensamento mítico do Āyurveda, védico e tântrico, é honrando aos ancestrais que se terá a chance de recuperar a memória do pertencimento. Ou, as experiências acumuladas dos que vieram antes de nós. Coletividade, não é? É um mito criado para ensinar viver em aldeia. E mesmo o “honrar os ancestrais”, só poderá ser feito junto pelo compartilhamento de experiências. O Āyurveda como uma das formas de expressão do tempo das comunidades tradicionais que canalizaram o Āyurveda, é coletivo. Geracionalmente coletivo.
Volto a pergunta de início: e porquê insistiríamos em viver sozinhos fingindo viver junto ao invés vivermos juntos de fato?
A busca de pertencimento no tempo capitalista é incessante. É a “caverna do dragão”. Você busca, busca, busca. Paga, paga, paga. E quando finalmente parece que você fez a travessia, você é enredado pela mais nova subcelebridade instantânea do ultimo verão, e cai no buraco da separação. E o peculiar é que, no tempo mítico das comunidades tradicionais, o viver junto é o que facilita as melhorias das expressões individuais.
Não tenho conclusão nenhuma. Nem tenho nenhuma “dica” ou “método” infalível para você vencer esse Samsara. Nem mesmo pretendo que você acredite no que tô dizendo. Nem tô dizendo nenhuma genialidade. Mas acredito no coletivo. E nas revoluções que as pessoas farão juntas.
Todo o texto é criado no formato de dicas e informações de estudos. Toda e qualquer informação para uso pessoal, é preciso ser avaliado estudado por um/a profissional ayurvédico qualificado.
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Sabrina Alves
Dra. e mestre na área de Ciência da Religião pela PUC/SP com enfoque em gênero, religião e decolonização, com formação em Jornalismo. Sua pesquisa mais recente foi em Gênero, Sexualidade e decolonialidade nos Textos Clássicos do Āyurveda em observância da sua prática atual na diáspora Índia-Brasil.
Formada em Āyurveda pela Escola Latino-Americana de Āyurveda e Instituto de Cultura Hindu Naradeva Shala, desde 2006; participou de Cursos Avançados e de Especialização na Índia no AVP – The Arya Vaidya Pharmacy; Desenvolve há mais de 15 anos trabalho com sexualidade e pesquisas na área e gênero no Āyurveda.
Desde 2008 desenvolveu com a Dra Brenda Kalil (in memoriam) uma abordagem e trabalho específico de Āyurveda para mulheres com atendimentos, workshops e vivências com a proposta de promover a autogestão ginecológica; Realiza um estudo profundo sobre Ahara (alimentação) com base AHARA (nos princípios do Āyurveda) e a alimentação natural com enfoque nas tradições alimentares locais do Brasil, usando como base o Guia Alimentar Brasileiro.
Coordenou em 2010 o Curso Avançado de Āyurveda para Mulheres com a presença do Dr. Robert Svoboda e Dra. Claudia Welch, com os quais mantém constante contato de aprendizado e parceria; coordena os cursos de Pós-gradução em Āyurveda no Instituto Naradeva Shala, o Curso Semipresencial de Formação em Āyurveda, onde também faz parte do corpo docente.
Atualmente desenvolve atendimentos com enfoque em um Āyurveda revisitado, feminista, contra-colonial e de Bem Viver para mulheres cisgênero e transgênero, homens transgêneros, pessoas não binárias, agenêres e Queer.
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