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Foto do escritorSabrina Alves

Os dentes (na)da Primavera

por Sabrina Alves

professora de Ayurveda

 

Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe

E no centro da própria engrenagem

Inventa contra a mola que resiste


Quem não vacila mesmo derrotado

Quem já perdido nunca desespera

E envolto em tempestade, decepado

Entre os dentes segura a primavera

(Secos e Molhados)


imagem com fundo verde com uma flor amarela com uma pequena borboleta branca

Como fazer para segurar a Primavera nos dentes? Ela esta nos escapando. Entre a força devida das águas, e a secura das ventanias, entidades devoradoras estão saindo dos nevoeiros e, como dizem, produzindo um sol pra cada ser encarnado. E a instabilidade sob nossos pés? Nada disso, aparentemente, em seu tempo correto. Existe uma Manifestação a nos informar que precisamos correr. Ou parar? Ao que parece Ela estava adormecida. O que fizemos para acordá-la? Já subiu 2º C na temperatura geral da Terra.


Na manifestação do hábito, o Sol, que durante o inverno, arde dentro da Terra, mantendo o fogo digestivo intenso e estável, da Terra e o nosso, nos auxilia a manter o corpo aquecido diante da temperatura externa, vai se elevando de dentro da terra e se erguendo à medida que os dias caminham em direção a Primavera. As noites profundas no auge do inverno, vão diminuindo e dando lugar a uma maior angulação do Sol. Kapha, acumulado durante o inverno, vai sendo “empurrado” pelas funções de Pitta, e, conforme o meio da Primavera se estabelece, as funções Kapha e Pitta vão se equiparando.


E aqui a metáfora extrapola.


Esse cabo de forças entre as funções Kapha e Pitta ficam evidentes quando se percebe a mesma quantidade de horas da noite e do dia. Você já dever estar percebendo o Sol se levantando mais cedo. E, da mesma forma, indo se deitar mais tarde. E o dia que marca a entrada da Primavera assiste-se a esse marco cíclico – uma equiparação de funções.



Segundo filosofias que permeiam o sāstra do Āyurveda, a essência da vida será mantida na cadência. Cadência. Inspirar e expirar. Cadência. Expandir e contrair. Nos breves intervalos existem os ritmos em constância dentro-e-fora.


Como mencionei na edição passada desta newsletter, a percepção de espiritualidade ocorre por manifestar a consciência coletiva expressando dentro os ritmos cósmicos, pela pura noção de pertencimento. Pensar assim evidencia o grande fio de sutratma que conecta aos seres vivos. Seríamos as contas do japamala. Eternamente sustentando a vida. E a morte. Seres viventes são o eterno intervalo em cadências e camadas infinitesimais da contração e da expansão dos ciclos do universo.



Na dança entre o Sol, Lua e a Terra, as jornadas anuais dos ritmos cósmicos, a Terra ao redor do Sol marca aqui embaixo a inclinação da luminosidade do Sol, sustentando as grandes sombras que projetamos por onde passamos. Se encontrar nas sombras e se expor nas luzes é a grande jornada que coletivamente vamos experienciar.


Secura gera separação fragmentada;

Untuosidade e o líquido permite uma separação inteira;


São pequenos ciclos, dentro dos ciclos. Neles, vinte pares opositores, as Gunas, dão a intensidade de nossas experiências como espectadores da passagem do dia pra noite, da noite pro dia...e para as estações.


A consciência manifestada na vivência das passagens dos ciclos cósmicos faz a consciência coletiva do universo penetrar em cada átomo, célula ou tecido. Um estado meditativo em ação, que te move em direção a expansão, trazendo unidade e integração para a comunidade. Este é o único foco de estarmos encarnados, encontrar nosso lugar no todo coletivo. Só podemos (re)existir executando nossa função na teia.


Assim como o sāstra do Āyurveda recomenda para uma manutenção da saúde do corpo que se adquira o hábito de passar óleos vegetais sobre o maior órgão do corpo, a pele, com o objetivo de manter o fluxo uniforme, criando uma barreira de proteção, impedindo que o excesso de calor produzido pelo agni extrapole, causando desordens, nossas extensões terrestres precisam ter suas camadas de proteção preservadas. Cerrados, Matas Atlântica, Caatinga, Tundra, Padrarias, Serras e Florestas imensas profundas. Há um motivo habitual para que a Primavera seja essa estação em que as temporadas de chuva sejam cadenciadas – as águas que escorrem no solo, fluidifica toda a matéria transformada dentro da terra pela enorme capacidade do agni interno durante o inverno. Espalha sementes, substrato, caminhando por entre as raízes e subindo pelos caules para manifestar em folhas largas e verdes, flores que alimentam animais que serão os mesmos que irão carregar, por hábito e memoria, todas as informações genéticas da continuidade. O motivo para que isso ocorra é a mera necessidade de criar proteção do solo para a inclinação da luz solar no verão que penetra profundamente o solo depois de o ressecá-lo.


Não temos escutando muito bem o conselho dos sábios dos povos originários. E temos devastado continuamente deixando o solo amostra, aniquilando a mais perfeita tecnologia de refrigeração – as arvores, e como consequência estamos assistindo nesse momento ao agni profundo da terra tornar o solo tão aerado, seco e tiraram o lugar dos rios voadores que nos garantiriam a umidade esperada, para rios de poeira toxica, sufocante e mortal. O agni que deveria estar contido dentro do profundo dos solos, se manifestou em labaredas volateis. Não temos como garantir que este solo fragmentado irá suportar o fluxo de água. As chances são de que Não segurará. Irá extrapolar.


Possivelmente evaporará tão rápido como alguém sorvendo água diante do deserto. Nuvens carregadas se formam em velocidades imprevisíveis. E o ciclo da destruição se intensifica.


A primavera está nos escapando.


A inclinação da luminosidade do Sol segue por hábito estabelecendo a Primavera, mas aqui na Terra, não está encontrando sua resposta habitual esperada, porque retiramos continuamente a proteção do solo que completaria as funções da Primavera.


A primavera está nos escapando.


O sāstra do hábito, iria informar para você encarnado que, esse momento seria oportuno se precaver com os excessos das funções de Kapha extrapolado por vias do Pitta que se agrava. Mas agora – com a Primavera nos escapando – cuide também do seu Vata. A imprevisibilidade está na ordem do dia. Estamos em processo de fragmentação. Estamos esfarelando. Precisamos retomar nossa untuosidade e os ciclos em cadencia. Nos aglutinar para nos salvarmos coletivamente. O sāstra do Āyurveda é do hábito, mas também da adaptação.


Agora é a hora. O planeta fica. E a gente?


 

Todo o texto é criado no formato de dicas e informações de estudos. Toda e qualquer informação para uso pessoal, é preciso ser avaliado estudado por um/a profissional ayurvédico qualificado.

 
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Sabrina Alves

foto da professora Sabrina Alves

Dra. e mestre na área de Ciência da Religião pela PUC/SP com enfoque em gênero, religião e decolonização, com formação em Jornalismo. Sua pesquisa mais recente foi em Gênero, Sexualidade e decolonialidade nos Textos Clássicos do Āyurveda em observância da sua prática atual na diáspora Índia-Brasil.

 

Formada em Āyurveda pela Escola Latino-Americana de Āyurveda e Instituto de Cultura Hindu Naradeva Shala, desde 2006; participou de Cursos Avançados e de Especialização na Índia no AVP – The Arya Vaidya Pharmacy; Desenvolve há mais de 15 anos trabalho com sexualidade e pesquisas na área e gênero no Āyurveda.

 

Desde 2008 desenvolveu com a Dra Brenda Kalil (in memoriam) uma abordagem e trabalho específico de Āyurveda para mulheres com atendimentos, workshops e vivências com a proposta de promover a autogestão ginecológica; Realiza um estudo profundo sobre Ahara (alimentação) com base AHARA (nos princípios do Āyurveda) e a alimentação natural com enfoque nas tradições alimentares locais do Brasil, usando como base o Guia Alimentar Brasileiro.

Coordenou em 2010 o Curso Avançado de Āyurveda para Mulheres com a presença do Dr. Robert Svoboda e Dra. Claudia Welch, com os quais mantém constante contato de aprendizado e parceria; coordena os cursos de Pós-gradução em Āyurveda no Instituto Naradeva Shala, o Curso Semipresencial de Formação em Āyurveda, onde também faz parte do corpo docente.

 

Atualmente desenvolve atendimentos com enfoque em um Āyurveda revisitado, feminista, contra-colonial e de Bem Viver para mulheres cisgênero e transgênero, homens transgêneros, pessoas não binárias, agenêres e Queer.

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